19 março 2023

Defesa é assunto sério (?)


Por Flávio Carvalho*

Esta semana li uma notícia vinculada na página da internet de um veículo de mídia tradicional sobre os planos chineses para desenvolver, mais ainda, suas já fortes forças militares, a fim de amparar suas políticas comercial, industrial e tecnológica no mundo. Todas sustentadas em uma necessária política de Defesa que deve acompanhar, no mesmo nível, a expansão da influência e interesses chineses nas próximas décadas. O que me chamou a atenção não foi nem tanto o fato da China dar grande importância à Defesa Nacional enquanto marco referencial para sua política externa, mas o autor conclamar que o Brasil deveria, também, levar o assunto a sério. Ou seja, a Defesa Nacional como assunto de Estado. Essa é uma afirmação no mínimo curiosa, dado que a imprensa em geral no Brasil não costuma oferecer espaço, e muito menos atenção ao tema. Não pelo menos fora dos cadernos de política, e cada vez mais frequente, segurança pública e\ou assistência social. Mas creio que se possa fazer algumas reflexões importantes sobre este “lapso” do autor da matéria.

Em regra geral, reza o dito popular que assuntos sérios no Brasil são religião, futebol e carnaval. Outros assuntos podem até entrar na fila, mas supostamente são tratados de acordo com o calendário de acontecimentos anuais, e portanto, sua importância ocorreria de acordo com as conveniências do interesse popular de momento. Se assim é, podemos dizer que Defesa Nacional enquanto tema sério para o brasileiro deve estar ocupando um dos últimos lugares, senão o último, em matéria da seriedade que é tratada, visto que, como não aparece no calendário anual de acontecimentos civis, festas, feriados, etc. da agenda nacional, pouco se faz sentir sua ausência, ou sua necessidade. Por outro lado alguém pode dizer que educação, saúde, segurança pública, infraestrutura urbana, etc., temas tão recorrentes hoje em dia no noticiário de todas as mídias conhecidas, podem ser considerados sérios pela população, e portanto, pelo poder público e classe política. Mas se formos olhar, e analisar, de perto os muitos dados existentes sobre eles, é possível verificar de forma simples que, inconstância, irregularidade, gestão, planejamento e resultados pífios ao longo do tempo são características que parecem marcar tais questões que, de tempos em tempos, são trazidas ao nível nacional de discussão, digamos, por acontecimentos e fatos pouco meritórios.

Gostaria de pontuar que, para que algo possa ser considerado – e tratado – como tema de Estado, não basta apenas estar na agenda da população e constante dos interesses políticos governamentais, ou mesmo escrito nos livros e manuais diplomáticos e militares de um país. É preciso mais. Antes de tudo é preciso que seja visto e reconhecido como necessário, e por conseguinte, importante por qualquer viés de análise. Neste sentido, é possível traçar um paralelo com uma citação que se pode encontrar nas diversas organizações militares de logística do Exército Brasileiro e que fala sobre manutenção: “quando existe, ninguém nota; quando falta, reclamam que deveria existir; quando não há, todos concordam que deveria ter”. Assim é Defesa Nacional em sua relação com a sociedade e o Estado. No Brasil poucas pessoas se interessam por temas como geopolítica, estratégia, relações internacionais, história militar, e menos ainda tem conhecimento das missões primárias, e da razão de existir forças armadas em um país, e que não é apenas ‘fazer guerra’. O não entendimento da complexidade dos temas relativos à Defesa Nacional acompanha também o entendimento de que é um assunto sem maiores apelos ao interesse da sociedade, e portanto, governamental. Pesa, neste sentido, a educação pública que o brasileiro não tem, e não recebe, em qualidade e quantidade, do ensino básico ao superior, visto que, sem acesso à informação, e à formação pessoal, profissional e cidadã que lhes são mister, é pouco provável que Defesa encontre reverbério em uma sociedade que ainda se ocupa, primariamente, com o pleno exercício de seus direitos mais básicos.

Para que Defesa possa ser tomado a sério no Brasil antes de mais nada é preciso educar a sociedade, para educar os políticos e saber cobrar-lhes na exata medida dos interesses do país em suas relações com o mundo lá fora. E para isso, não basta apenas termos massas de gente sendo aquinhoadas com diplomas e certificados escolares, técnicos e universitários, antes, é preciso impor uma cultura de qualidade educacional formativa que permita prontificar educadores e educandos de maneira a olhar o mundo ao redor e, a partir da própria realidade, conceber e analisar de forma livre, consciente e ampla a teia social que o envolve, e ao país, no concerto entre as nações. De fato, sem Educação, e sem uma sociedade ampla e criticamente educada, é muito difícil tirar do Estado, diga-se, do poder político, o interesse e a responsabilidade naturais que lhes são cabíveis na lei enquanto fomentadores do planejamento e gestão de uma cultura de Defesa Nacional. Sem que as pessoas se importem, e notem, suas forças armadas não apenas como uma mera curiosidade tirada dos livros de história do ensino básico, mas como instituições permanentes, atemporais, e representativas do poder nacional na história, pouco se pode esperar que este ou aquele governo o faça, visto que planejamento e políticas públicas nascem e morrem a partir de demandas da sociedade. E se a sociedade “não sente na pele” a falta de suas forças armadas, como pretender que o tema Defesa Nacional disponha da seriedade que lhe cabe?

Defesa Nacional é um assunto sério, mas que demanda ser tratada como tal na medida em que o Estado brasileiro o leve a sério. Mas, onde estão os interesses nacionais e para onde estão voltados? Quem produz a política nacional de defesa e sua conseguinte estratégia estão de acordo com o que a sociedade pede de suas forças armadas, ou são apenas documentos forjados dentro de um contexto teórico, e retórico, no meio militar e político, de onde não saíram para um verdadeiro embate público, a fim de permitir que a sociedade, ou ao menos parte dela, interessa e apta a debater o tema, possa, também, opinar sobre como vamos tratar nossa defesa, e nossos interesses no mundo?

A quem interessa de fato que Defesa Nacional seja tratada de forma séria no Brasil, onde missões de assistência social e garantia da lei e da ordem são mais importantes que a capacidade de nossos militares fazerem o que lhes é mister da profissão, a guerra, por mais que isso possa nos parecer um horizonte distante e inconcebível?

*Sobre o autor: Flávio Carvalho

Administrador, Pedagogo, Professor e Mestre em Teologia

É Professor Adjunto na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Amazonas – FACED\UFAM

Educador e pesquisador em Educação, Políticas Públicas Educacionais, Gestão e Planejamento Público em Educação e Direito Educacional.

Estudioso de História Militar, Geopolítica, Estratégia, Relações Internacionais, Defesa Nacional.

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