28 fevereiro 2024

Entre o virtual e o real: a tecnologia a favor do treinamento militar

Como os simuladores têm sido aliados na formação para a guerra naval



Por Primeiro-Tenente (RM2-T) Daniela Meireles - Brasília, DF

É quando estão navegando em profundidades superiores a 300 metros, abaixo da superfície do mar, que fica ainda mais evidente o nível de preparo dos submarinistas da Marinha do Brasil (MB). Mais do que comprometer um projeto de anos, avaliado em centenas de milhões de reais, um pequeno deslize pode colocar em risco as vidas dos tripulantes a bordo e, em um cenário de combate, custar caro à defesa nacional.

Para evitar situações extremas como essa, os militares são submetidos a exercícios cada vez mais capazes de simular experiências reais, que os mantêm preparados para encarar as missões no mar. Simuladores com interface digital, recursos audiovisuais e até mesmo sensoriais já fazem parte do dia a dia dos Centros de Instrução da MB. Alguns deles desenvolvidos pela própria Força Naval, por meio do Centro de Análises de Sistemas Navais.

Os militares designados para tripular os novos submarinos da classe “Riachuelo”, por exemplo, são submetidos a 168 horas nos módulos do Centro de Instrução e Adestramento Almirante Áttila Monteiro Aché (CIAMA), durante o estágio de qualificação.

Dos nove simuladores disponíveis no CIAMA, seis são computadorizados, incluindo um treinador de realidade aumentada, adquirido juntamente com os meios do Programa de Submarinos da Marinha (PROSUB), em 2018, e duas cabines de imersão capazes de reproduzir todos os movimentos de um submarino, uma em Itaguaí (RJ) e outra em Niterói (RJ).

O simulador de submarino do CIAMA permite experiência imersiva para formação militar – Imagem: Marinha do Brasil

“No ar, os homens do mar”

Assim como na atividade submarina, os equipamentos que imitam a realidade são empregados em outros campos de atuação, para o treinamento militar no mar, na terra e no ar. Simuladores também fazem parte da rotina de preparação dos aviadores navais, que têm sobre si a responsabilidade de executar manobras arriscadas e de alta complexidade, que exigem muita prática e experiência.

O pouso em uma embarcação em movimento, o voo noturno, o transporte de cargas e de pessoal interno e externo à aeronave e o reabastecimento em voo são alguns exemplos. Para desenvolver e reforçar as habilidades aeronavais, o Centro de Instrução e Adestramento Aeronaval (CIAAN), em São Pedro da Aldeia (RJ), conta com alguns emuladores.

Ferramentas como o TOFT SH-16 aumentaram a segurança da aviação naval – Imagem: Marinha do Brasil

Dentre os disponíveis, o Simulador de Voo Tático Operacional das Aeronaves SH-16 “Seahawk”, ou TOFT SH-16 (do inglês, Tactical Operational Flight Trainer), e o Dispositivo de Treinamento Avançado das Aeronaves AF-1B “Skyhawk”, ou AATD AF-1B (do inglês, Advanced Aviation Training Device), são os mais modernos.

Eles contribuem principalmente para a qualificação dos militares do 1º Esquadrão de Helicópteros Antissubmarino e do 1º Esquadrão de Aviões de Interceptação e Ataque, mas também são disponibilizados para treinamento das demais Forças Singulares.

O TOFT SH-16 é capaz de reproduzir, com fidelidade, o cockpit (cabine de comando) e a cabine dos operadores dos sensores de uma aeronave de asa rotativa, incluindo estação de operação do sonar e do radar, equipamentos empregados para a detecção de submarinos inimigos. A sua utilização permitiu reduzir em 43% as horas de voo em aeronave real, gerando economia de recursos e aumento da segurança.

Já o AATD AF-1B permite que militares se familiarizem com sistemas de aeronaves de asa fixa, além de procedimentos de pré-voo, de decolagem, voo e aterrissagem, situações de emergência e emprego de armamentos.

Sem margem para erro


“Muitas tarefas executadas a bordo são de complexo entendimento e difícil absorção do conhecimento até se atingir um nível de proficiência ótimo exigido para a atividade militar naval”, explica o Capitão de Mar e Guerra Claudio Coreixas de Moraes, mestre em Modelagem e Simulação em Ambientes Virtuais.

O Oficial lembra que, para algumas situações, não há segunda chance. “Não existe espaço para erros de procedimento em uma navegação em canal varrido, na classificação de um alvo como hostil ou amigo, ou mesmo na identificação da classe de um incêndio a bordo, para que o método adequado de extinção seja empregado”, alerta.

O Comandante foi um dos precursores dessa tecnologia na MB, tendo criado o primeiro modelo de simulador de treinamento de manobra e navegação desenvolvido pela Marinha. A ideia surgiu na época em que comandou o Aviso de Instrução (AvIn) “Guarda-Marinha Jansen”, quando percebeu a lacuna entre o que os Aspirantes da Escola Naval aprendiam na teoria e o que eram capazes de executar a bordo.

Foi então que trabalhou, junto com sua equipe, na criação do simulador de passadiço (cabine de comando de um navio), aplicando o conhecimento adquirido no mestrado realizado na Escola de Pós-Graduação Naval, em Monterey, nos Estados Unidos.

Simuladores de passadiço são fundamentais na formação de futuros Oficiais de manobra - Imagem: Marinha do Brasil

A prática leva à perfeição


“O que dificulta o mapeamento do conhecimento teórico 100% para a prática é a complexidade das tarefas desempenhadas a bordo, que requerem um entendimento muito específico de um equipamento, uma região de operação, uma situação ambiental, fatores humanos da equipe, dentre outros”, explica o Comandante Coreixas.

Detalhes como os exemplificados pelo Oficial podem, segundo ele, parecer irrelevantes, mas, se somados a um ambiente operativo permeado pelo estresse do combate, ganham maior proporção e representam uma diferença significativa. “É uma experiência que não se pode viver em sala de aula”, avalia.

Embora sejam inegáveis as vantagens da instrução prática, a disponibilidade de meios operativos da Marinha é limitada. Ao qualificarem os alunos para desempenho de atividades simples, os simuladores contribuem para otimizar tempo e recursos.

“É comum encontrar Aspirantes que terão apenas uma oportunidade a bordo do Aviso de Instrução para treinar determinada tarefa. O ideal é que já cheguem a bordo com diversos conhecimentos básicos consolidados para que a experiência de um recurso caro como o AvIn seja melhor aproveitada”, aquilata o especialista da Marinha.

Aspirantes da Escola Naval treinam como se estivessem em um passadiço real– Imagem: Marinha do Brasil

À frente do seu tempo

Desde os primeiros modelos digitais de simuladores em ambientes virtuais 3D, lançados na década de 2010, a MB não parou mais de investir no segmento. A Divisão de Modelagem e Simulação do Centro de Análises de Sistemas Navais (CASNAV) foi criada nessa época justamente para o desenvolvimento desse tipo de sistema.

Hoje, o País já conta com mais de 40 simuladores de navio em operação, dos quais a metade foi desenvolvida pela Marinha para suas organizações de ensino e adestramento. Um dos trabalhos mais recentes do CASNAV é o Simulador de Navegação de Paraquedas com Velame Aberto, que reproduz vento, pressão do ar e deslocamento de peso, em situações de queda livre, para formação e treinamento dos militares do Batalhão de Operações Especiais de Fuzileiros Navais.

Os combatentes anfíbios são submetidos a pelo menos 30 minutos diários no equipamento, durante o Curso Especial de Salto Livre e o Básico de Paraquedista Militar. O recurso permitiu não apenas reduzir custos com horas de voo, mas concluir os cursos em menos tempo e com o mesmo aproveitamento.

O simulador de paraquedas é um dos mais recentes desenvolvidos pelo CASNAV – Imagem: Marinha do Brasil

Aprendizado em jogo

Além de uma interface capaz de imitar com perfeição a realidade, os novos simuladores têm adotado elementos comuns aos games (jogos eletrônicos), como regras, estratégias e recompensas, para promover a retenção do aprendizado.

Segundo o PhD em Tecnologias de Gameficação, Francisco Tupy, esses princípios têm sido aplicados por grandes empresas no Brasil para qualificação profissional direcionada a áreas específicas, que exigem respostas rápidas e eficientes para diferentes circunstâncias.

O especialista, cujo projeto de mestrado pela Universidade de São Paulo também contribuiu para a criação do simulador de passadiço da Escola Naval, acredita que essa lógica pode ser adaptada aos treinamentos com emuladores digitais.

“O simulador talvez seja tão estressante quanto a vida real, se for bem feito. A diferença entre aprender com o simulador, ou não, pode ser a diferença entre a vida e a morte. Então a recompensa vai ser o meu aprendizado e como eu vou lidar com aquela situação na vida real”, exemplifica.

Os jogos contribuem, ainda, para o desenvolvimento cognitivo por meio da interatividade, defende o presidente da Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Digitais, Rodrigo Terra.

“Os games e a realidade virtual vêm sendo grandes aliados na distribuição de melhores ambientes imersivos, com melhores ferramentas e hardware, gerando uma melhor experiência. Cada vez mais, as empresas têm sido criativas no uso de games para treinamentos e estímulos, como forma de se conectar com colabores mais jovens”, avalia.

Interface digital contribui para retenção de aprendizado – Imagem: Marinha do Brasil

Destaque internacional

Dos modelos mais simples aos mais elaborados, os produtos entregues pelo CASNAV posicionam o País entre os mais avançados nesta área. “Os sistemas utilizados pela Marinha do Brasil estão equiparados aos melhores disponibilizados internacionalmente”, exalta o Capitão de Mar e Guerra Coreixas.

Segundo o Comandante, não existe, atualmente, nenhuma dificuldade tecnológica para se desenvolver os sistemas de simulação necessários para os cursos oferecidos na MB. “Não deixamos a desejar em nenhum aspecto a outras Marinhas de igual porte”, garante.

Diferentemente de outras Marinhas, a MB se destaca pela utilização de simuladores desde a formação do seu pessoal, no Colégio Naval, na Escola Naval e em todas as Escolas de Aprendizes-Marinheiros.

“O simulador de passadiço da Escola Naval é um dos mais modernos em operação a nível mundial e permite a operação em modo multiplayer, de até sete navios, para que as equipes de Aspirantes possam treinar desde os cenários mais básicos de navegação até manobras táticas em formaturas complexas”, enaltece.

FONTE: Agência Marinha de Notícias

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